quarta-feira, 9 de março de 2016

Pseudociências: Uma Explicação Ideal, Mas pela Ótica da Ciência Humana e Academica

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Pseudociências

por Alexandre Taschetto de Castro

Introdução

A sociedade em que vivemos atualmente apresenta uma triste contradição. Ao mesmo tempo em que a ciência e tecnologia tornam-se cada vez mais presentes em nossas vidas, com o seu desenvolvimento constante e sua aplicação nos mais variados campos, somos inundados por uma enorme quantidade de práticas ilógicas e sem nenhum fundamento, que alegam proporcionar respostas a perguntas que a ciência "tradicional" não consegue responder. Estas "ciências alternativas", ou pseudociências, são supostamente capazes de prever o futuro, alcançar curas sensacionais, detectar e manipular energias misteriosas e assim por diante. Infelizmente, apesar de suas alegações impressionantes, a única capacidade realmente comprovada destas práticas é a de obter dinheiro de pessoas crédulas.

O que são as pseudociências

Como o próprio nome indica, uma pseudociência é uma falsa ciência, ou seja, um conjunto de idéias e teorias que são incorretamente apresentadas como científicas ou comprovadas, com o objetivo de alcançar legitimidade frente ao público em geral. Freqüentemente, as pseudociências estão associadas a interesses comerciais, onde uma suposta base científica ou comprovação auxilia a convencer os "clientes" a abrirem sua carteira. Em geral, esta suposta comprovação é oriunda de uma longa e fascinante história, que apresentaria provas de sua veracidade mas seria totalmente ignorada pela comunidade científica por puro preconceito, ou de estudos duvidosos (com resultados "revolucionários") realizados por "cientistas" desconhecidos. Em alguns casos, estes estudos são realmente feitos por cientistas, mas cuja formação técnica é em uma área completamente diferente do assunto abordado, sendo seu interesse baseado em convicções pessoais que colocam em dúvida a imparcialidade dos resultados.

As pseudociências têm proliferado amplamente nas últimas décadas, auxiliadas por uma variedade de fatores, que incluem principalmente uma educação científica deficiente e uma mídia mais preocupada em obter manchetes do que em verificar a qualidade das informações que divulga. Com o advento da Internet, sua difusão ficou ainda mais fácil em meio à abundância de informações disponíveis, cuja qualidade é freqüentemente de difícil avaliação. Além disso, o caráter comercial associado a estas práticas leva seus defensores a promoverem ativamente sua propaganda em vários meios de comunicação, desde os folhetos colados em postes até a televisão.

Em alguns casos, a crença em uma pseudociência pode ser razoavelmente inofensiva, não levando a nenhuma outra conseqüência além de uma auto ilusão e de um certo desperdício de dinheiro. Por outro lado, pseudociências médicas, por exemplo, anunciadas como curas eficazes para uma variedade de doenças, podem causar danos à saúde que vão desde um simples atraso na cura de uma condição médica de baixa gravidade até a morte. Danos consideráveis também são causados quando uma pseudociência se infiltra no sistema político ou educacional. Exemplos clássicos são a utilização de conselhos de uma astróloga por administradores públicos (o caso mais famoso é o do ex-presidente americano Ronald Reagan, mas existem outros casos, inclusive no Brasil) e as tentativas de se abolir o ensino da teoria da evolução das espécies, em escolas americanas, por contrariar o dogma da criação do universo como exposto na Bíblia. Um exemplo mais próximo é a proposta de regulamentação da profissão de astrólogo, em tramitação no Congresso brasileiro. Pode-se citar também o reconhecimento da homeopatia como especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, apesar desta prática ser amplamente contestada no meio científico.

A variedade de pseudociências existentes é impressionante e seu número continua a crescer, em função do surgimento de teorias completamente originais ou, o que é mais comum, da adaptação e modificação de conceitos antigos. Boa parte delas é baseada puramente em crenças antigas, que datam de uma época onde o pouco conhecimento que o homem tinha do universo levava, de forma compreensível, a especulações fantasiosas. A crença na influência dos corpos celestes em eventos terrenos, por exemplo, é uma herança de culturas primitivas que viam o Sol, a Lua e outros astros como deuses. Apesar de seu caráter divino ter sido abandonado à medida que a astronomia revelou sua natureza ordinária, os poderes dos astros celestes ainda são "estudados" pela astrologia. Outras pseudociências deturpam conceitos científicos comprovados, de forma a usá-los em suas explicações e teorias. Desde que Einstein demonstrou a equivalência entre a matéria e energia, este conceito tem sido mal interpretado (por ignorância ou má fé) das formas mais variadas possíveis. Aliás, o conceito de energia é o grande coringa das pseudociências, sendo empregado de formas totalmente absurdas e ilógicas, além de ser "redescoberto" em novas e criativas versões, usualmente com nomes de impacto (como energia biocósmica, por exemplo).

Uma rápida classificação das pseudociências encontradas atualmente foi elaborada pelo The Skeptic's Dictionary, que possui uma versão traduzida para o português. Esta não uma classificação rígida, já que muitas pseudociências se encaixam em mais de uma categoria, mas serve para dar uma idéia de sua diversidade. Resumindo,

 Certas pseudociências são criadas com o único propósito de tentar confirmar dogmas, em geral de origem religiosa, e não para buscar uma melhor compreensão de nosso mundo. Ao invés de analisar fatos e dados experimentais para deles extrair novas informações, os defensores destas pseudociências simplesmente criam lógicas tortuosas para tentar forçar um coerência entre esses dados e seus textos sagrados. É o caso dos criacionistas;

 Várias pseudociências apresentam alegações que são simplesmente impossíveis de serem testadas por pesquisadores independentes porque se baseiam em entidades que só podem ser observadas por aqueles que nelas acreditam. Geralmente, estas entidades são "novas" formas de energia, muito usadas em terapias alternativas;

 Outras não podem ser testadas porque são formuladas de uma forma que permite sua consistência com qualquer situação experimental ou são tão vagas e maleáveis que qualquer dado experimental pode ser interpretado de uma forma forçada para se adequar a suas teorias. Este é o caso da teoria dos engramas de Ron Hubbard, base da Cientologia (misto de filosofia e religião abraçada por muitos artistas famosos americanos);

 Muitas pseudociências foram testadas experimentalmente gerando enorme quantidade de evidências negativas, mas seus defensores recusam-se a capitular, buscando suporte para suas crenças em testemunhos pessoais, relatos de casos esporádicos ou coincidências. A astrologia é certamente o exemplo mais famoso;

 Certas pseudociências usam alegações de natureza metafísica (que envolve a discussão do que é a realidade e qual sua natureza) como se fossem dados experimentais. É o caso de inúmeras terapias alternativas;

 Algumas pseudociências vão diretamente contra as leis científicas estabelecidas, ignorando-as e criando hipóteses ad hoc (hipóteses criadas especificamente para contornar fatos que invalidam a teoria em questão) para tentar apoiar suas crenças. Por exemplo, a homeopatia.

O problema das pseudociências

Se as pseudociências são tão difundidas, será que não existe algo de concreto por trás delas? Talvez elas sejam realmente injustiçadas pelos cientistas "tradicionais" e mereçam o benefício da dúvida. Afinal de contas, se uma prática existe há centenas de anos, poderia ela estar totalmente errada? Ou talvez você conheça alguém que relate experiências positivas com uma destas práticas. Se tantas pessoas acreditam nelas, como podemos dizer que elas não têm fundamento?

Ao contrário do que muitos pensam, a ciência não é preconceituosa contra novas teorias e idéias, por mais fantásticas que elas pareçam. Mesmo que um cientista tenha convicções a respeito de um dado assunto, o método científico evoluiu, ao longo do tempo, para minimizar a importância de opiniões pessoais. Como disse Carl Sagan, na ciência não existem autoridades, existem, no máximo, especialistas. O verdadeiro julgamento de qualquer teoria é realizado através da experimentação. Um experimento é a forma que os cientistas têm de perguntar à natureza o que ela acha daquela idéia. E esta é a única "opinião" que conta. Se os resultados experimentais não estão de acordo com a teoria proposta, ela está errada. Ponto final. Esta imparcialidade garante que não nos apeguemos a idéias falsas, por mais convenientes ou agradáveis que elas pareçam. E algumas idéias são emocionalmente muito confortáveis. Mais antiga que qualquer pseudociência existente atualmente é a predisposição humana a acreditar no fantástico, no sobrenatural, a acreditar que "a verdade está lá fora". Esta característica humana, amplamente estudada pela ciência, é talvez o único fenômeno cientificamente comprovado presente nas pseudociências.

Desta forma, por mais emocionantes que estas crenças possam parecer, elas são incapazes de manter-se por seus próprios méritos e sem a utilização de artifícios injustificáveis, que aos poucos foram sendo reunidos no que hoje chamamos de pseudociências. O professor de físicaRory Coker fez um bom resumo de práticas usadas pelos pseudocientistas na defesa de suas crenças, que seriam inadmissíveis em um contexto científico ético. Elas incluem:

 As pseudociências mostram uma marcante indiferença em relação aos fatos: defensores das pseudociências não se preocupam em investigar diretamente os fatos ou basear-se em trabalhos de referência, simplesmente usando "fatos" falsos de acordo com a necessidade;

 A pesquisa nas pseudociências é, invariavelmente, desleixada: pseudocientistas baseiam-se em artigos de jornais, boatos, outros textos escritos por pseudocientistas ou escritos mitológicos ou religiosos antigos, sem a preocupação em investigar de forma independente a validade de suas fontes;

 As pseudociências partem de uma hipótese - em geral emocionalmente atraente mas espetacularmente implausível - e buscam apenas os fatos que parecem suportá-la: evidências conflitantes são ignoradas, já que o objetivo é racionalizar crenças e não investigar hipóteses alternativas;

 As pseudociências ignoram o conceito de evidências válidas: experimentos científicos significativos, controlados e reprodutíveis não são enfatizados, ao contrário de testemunhos não confirmados e boatos; a literatura científica é ignorada ou mal interpretada;

 As pseudociências baseiam-se fortemente em validações subjetivas: Uma pessoa coloca gelatina na cabeça e sua dor de cabeça desaparece. Para uma pseudociência isto significa que gelatina cura dor de cabeça. Para a ciência, isto não quer dizer nada, porque não foi um experimento controlado. Inúmeras outras coisas aconteciam quando a dor de cabeça desapareceu e ela teria desaparecido eventualmente mesmo que a pessoa não fizesse nada.

 As pseudociências baseiam-se em convenções humanas arbitrárias, ao invés de padrões da natureza: A astrologia, por exemplo, é fortemente associada a inúmeras convenções arbitrárias, como o nosso calendário, a definição das constelações, quais os astros importantes e quais podem ser desconsiderados, etc.

 Quando examinadas a fundo, as pseudociências sempre atingem uma redução ao absurdo: As explicações oferecidas pelos pseudocientistas simplesmente não fazem sentido. Quando suas teorias são analisadas a fundo, elas acabam expondo contradições inexplicáveis.

 As pseudociências sempre evitam sujeitar suas alegações a testes significativos: Estudos experimentais confiáveis são raramente realizados (veja a resistência dos homeopatas em ter seus remédios avaliados pelos mesmo métodos que os remédios tradicionais). Quando algum pesquisador obtém algum dado a favor da pseudociência, o experimento não é repetido e verificado por outros pesquisadores e aquele único experimento é considerado perfeito.

 As pseudociências freqüentemente se contradizem, em seus próprios termos: Ao tentarem explicar suas práticas, os pseudocientistas freqüentemente se contradizem, uma vez que não existe uma organização metódica de seu suposto conhecimento. É possível encontrar em um texto sobre a radioestesia a informação de que as forquilhas devem ser feitas com galhos recentemente cortados, porque apenas a madeira "viva" consegue canalizar a energia em questão, e mais tarde, no mesmo texto, nos depararmos com a afirmação de que a maioria dos radioestesistas usa instrumentos de metal ou plástico.

 As pseudociências deliberadamente criam mistérios onde eles não existem, através da omissão de informações e detalhes importantes: Qualquer assunto pode ser descrito como misterioso, basta omitir as informações disponíveis. O mito do Triângulo das Bermudas é um exemplo clássico.

 As pseudociências não progridem: ao contrário da ciência, as pseudociências não evoluem. Novas teorias não são formuladas, novos fenômenos não são descobertos, novos conhecimentos não são adquiridos. Ao contrário, quanto mais velha uma idéia, mais valor ela recebe.

 As pseudociências buscam convencer através da retórica, propaganda e desinformação, ao invés da apresentação de evidências válidas: Como não possuem evidências concretas para apoiar suas crenças, os pseudocientistas usam praticamente todos os erros de lógica conhecidos. Uma ferramenta muito usada é o "Argumento Galileu", onde o pseudocientista se compara a Galileu Galilei, dizendo ser injustamente criticado da mesma forma que o famoso cientista (que na verdade teve suas teorias confirmadas por seus colegas).

 Os pseudocientistas argumentam a partir da ignorância: este é um argumento clássico. Como existem casos de OVNIs que não foram explicados pelos cientistas, então eles devem ser naves extraterrestres. Em outras palavras, a ausência de informação é usada como base para se defender uma teoria!

 Pseudocientistas se baseam em erros, anomalias e fenômenos estranhos, ao invés de padrões regulares da natureza, já estabelecidos: A história mostra que anomalias e fenômenos extraordinários tendem, na maioria dos casos, a serem identificados como fraudes, erros de interpretação, enganos honestos, etc. Pseudocientistas, por outro lado, tendem a aceitar estes relatos sem maiores considerações.

 As pseudociências apelam a falsas autoridades, emoções ou desconfiança de fatos conhecidos: Evidências e opiniões são apresentados por "especialistas", que na verdade não têm formação na área em questão. Explicações emocionais são freqüentes: "Siga o seu coração...". E, é claro, existe sempre uma teoria da conspiração...

 As pseudociências fazem alegações extraordinárias e apresentam teorias fantásticas que contradizem o que sabemos da natureza: Além de não apresentar evidências que suportem suas teorias, eles ignoram qualquer conhecimento que atrapalhe suas conclusões. Por exemplo, discos voadores vêm do interior da Terra, que é oca (!?).

 Os pseudocientistas inventam seu próprio vocabulário, onde muitos termos não possuem definições precisas (ou não possuem definição nenhuma): Os pseudocientistas tentam imitar o jargão científico, usando palavras sem significado que parecem termos técnicos. As medicinas alternativas estariam perdidas se não fosse o termo "energia", mas a forma como este termo é usado não tem nada a ver com o conceito de energia empregado pelos físicos.

 As pseudociências apelam para os critérios do método científico ao mesmo tempo em que negam sua validade: Um estudo com falhas de procedimento que parece comprovar a eficácia da astrologia é encarado como "prova", enquanto inúmeros outros estudos que chegam à conclusão contrária são solenemente ignorados.

 Os fenômenos estudados pelas pseudociências são "tímidos": Os fenômenos ocorrem somente em certas condições ideais vagamente definidas (quando nenhum cético está olhando, quando as "energias" estão fluindo da forma certa, etc). Para a ciência, fenômenos genuínos podem ser estudados por qualquer um com os equipamentos necessários e, se os procedimentos forem corretos, os resultados serão consistentes.

 As explicações pseudocientíficas tendem a ser basear em cenários: Muitas vezes, os pseudocientistas contam uma história e mais nada, sem detalhes dos processos envolvidos. Por exemplo, o psicólogo (!) Immanuel Velikovsky alegava que um planeta havia passado próximo da Terra, invertendo seu eixo de rotação. E só. Sem um mecanismo proposto, nada. Isto é uma história, não uma teoria.

 Pseudocientistas freqüentemente apelam ao antigo hábito humano de pensamento mágico: Mágica, superstições e crenças semelhantes surgem quando relações e influências inexplicáveis entre fatos independentes são assumidas, sem nenhuma investigação. O mesmo raciocínio é usado por muitas pseudociências.

 Pseudociências baseiam-se fortemente no raciocínio anacronístico: quanto mais velha a idéia, mais atraente - a sabedoria dos antigos! Especialmente se a idéia tiver sido derrubada pela ciência há muito tempo.

Conclusão

Qualquer teoria, por mais fantástica ou absurda que possa parecer à primeira vista, merece o benefício da dúvida. É esta imparcialidade que garante a evolução da ciência. Inúmeros casos podem ser encontrados na história da ciência onde idéias inicialmente consideradas absurdas vieram a ser confirmadas mais tarde, por dados experimentais.

Por outro lado, esta mesma imparcialidade precisa ser aplicada no estudo e avaliação das evidências que suportam uma teoria. Este princípio deu origem, ao longo do tempo, ao que chamamos de método científico. Um de seus pilares é que se os resultados experimentais não estiverem de acordo com a teoria, a teoria é descartada e não os resultados!

Para que as pseudociências sejam reconhecidas e respeitadas, cabe a elas estudar os seus fenômenos de interesse com a mesma imparcialidade e metodologia que são aplicados na pesquisa de outros ramos do conhecimento. Os resultados obtidos devem ser colocados acima de interesses e crenças pessoais. Afinal, a natureza funciona de acordo com suas próprias regras e não como nós gostaríamos que ela funcionasse.

Alguns pseudocientistas usam estas crenças apenas como forma de ganhar dinheiro e explorar a credibilidade alheia. Quanto a estes, nada pode ser feito. Por outro lado, boa parte, talvez a maioria, dos praticantes das pseudociências honestamente acredita naquilo que defende. Cabe a estes a responsabilidade de estudar, pesquisar e debater estes assuntos de uma forma científica, de forma que suas convicções sejam baseadas na realidade da natureza e não em sua idealização.

Alguns argumentam que o método científico não é perfeito e não é necessariamente a melhor forma de se estudar um assunto. Pode até ser, mas até que alguém apresente uma alternativa viável e de eficácia comprovada, é o melhor que temos. E ele está sujeito a estudo e reformulação, da mesma forma que outros campos da ciência.

Por fim, um princípio lógico que rege a aquisição de novos conhecimentos é o de que o ônus da prova cabe a quem faz a alegação. Eu ficarei feliz em fazer o meu mapa astral, assim que algum astrólogo me mostrar provas concretas de que aquilo é mais que um desenho bonito

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